7 de agosto de 2024, final do skate park masculino nas Olimpíadas de Paris. Quando sai o anúncio do bronze para Augusto Akio, ouço Cleber Machado gritar entusiasmadamente: “JAPINHAAA”.
Nada contra chamar o Augusto de Japinha, mas…
Quarta-feira tem uma feira perto de casa. Marcos, da barraca onde costumo comprar laranja, me chama de japa. Nunca trocamos muita ideia, então ele não sabe meu nome e está tudo bem. Eu também só sei que é Marcos porque li no avental que ele usa.
Na rua, viro a cabeça automaticamente quando ouço alguém chamar por “japa” ou “japonês”.
É parte da minha identidade. Ainda que eu seja brasileiro e faça questão de ser visto como um, minha ascendência japonesa também se faz presente. Atendo por “japa” ou “japonês” com muita naturalidade.
Dito isso…
Um pouco de cuidado com o uso desses termos cai bem.
Em primeiro lugar, para não apagar nossa individualidade. Abri essa newsletter com o caso do Augusto Akio, o Japinha. É assim que ele é conhecido e, por mim, tudo bem. Por ele, aparentemente, também não parece ser um incômodo. O que estou trazendo é o aspecto político do apelido, por assim dizer, ou seja, as implicações coletivas do seu uso.
É importante que o apelido não ofusque o nome. Confesso que, durante a transmissão da final do skate na Globo, fiquei incomodado que o Cleber passou a transmissão inteira chamando Augusto de Japinha. Podia ao menos no final da apresentação ou na hora do anúncio da medalha chamar pelo nome. Nem que chamasse de Japinha, mas que em algum momento mandasse aquele “AUGUSTO AKIO É O NOME DELE”. Já estaria ótimo.
Falando em Augusto, outra coisa me incomodou naquela época. O meme do momento, quando saiu o resultado da medalha, foi que a gente pegou um japonês pro Brasil porque eles estavam dominando o skate. Vi tanto comentário assim no Instagram, com até milhares de curtidas, que eu genuinamente me questionei se não sou que sou chato demais. Mas é sempre bom reforçar: nós somos brasileiros! Quem ganhou a medalha de bronze foi um brasileiro! Tão brasileiro quanto a Rayssa Leal, que também trouxe um bronze no skate pra gente nessa Olimpíada.

Casos e casos
Definitivamente, não estou aqui para ditar nenhuma regra. Minha relação com os termos que abordei aqui nada mais são do que isso: a minha relação com esses termos. Outros descendentes vão lidar de outras formas, desde um leve incômodo até achar ofensivo.
Ou mesmo gostar. Em alguns casos, sabe-se lá, talvez japa tenha pegado como apelido para a pessoa e ela até estranhe quando a chamam pelo nome.
Pessoalmente, a minha única objeção ao uso desses termos é como metonímia para comida japonesa. Chego a me sentir constrangido quando ouço alguém falar que está com vontade de comer um japa.
Como se referir a nós
De todo modo, existem alternativas para fugir um pouco desses termos.
Primeiro, se você quer chamar um japonês aleatório na rua, chame como você chamaria qualquer pessoa aleatória na rua. “Moço”. “Amigo”. “Senhor”.
Também não é necessário usar japonês quando você está descrevendo alguém que é descendente ou mesmo japonês de fato. Vamos supor que você quer contar sobre um vídeo que viu no Instagram, gravado por uma pessoa asiática que você não reparou no nome. Uma alternativa é chamar de asiático, o que de quebra te previne de errar a etnia.
Melhor ainda é pensar em outras características. Recentemente, comecei a acompanhar um cara que fala sobre oratória. Ele tem adota um visual moderno: cabelo de estilo bagunçado, óculos estiloso e veste roupas entre o formal e o despojado. Ele aborda questões como ritmo da fala, ênfase e expressão corporal. Viu? Descrição talvez suficiente para você saber de quem estou falando se já tiver visto algo dele. Por acaso, ele é asiático.
Está liberado me chamar de japonês
Divulga minha newletter pra galera e fala que é de um japonês que escreve sobre ser amarelo no Brasil, dá umas dicas culturais, especialmente produções japonesas, e conta um pouco das coisas que ele aprende estudando japonês.
No fim das contas, o problema não está em me chamar de japa, japonês ou asiático. O problema começa quando não sou visto como brasileiro.
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Vinh Quang Giang é o coach de comunicação que mencionei no texto.
Tati Takeyama começou uma série de publicações no Notícias Amarelas sobre casos de racismo sofrido por asiáticos, e a terceira publicação aborda uma matéria no Terra Fatos sobre a equipe vencedora da Olimpíada Internacional de Matemática. A equipe é estadunidense, mas tinha asiáticos na sua formação, o que rendeu piadas sobre “chineses ocupando primeiro e segundo lugar”. Me lembrou as piadas sobre o Augusto Akio.
Tem outro texto que escrevi, ano passado, sobre ser amarelo no Brasil:
De onde nós viemos
Eu estava na quinta ou sexta série quando Jack, filho de chineses residindo a pouco tempo no Brasil, apareceu na minha escola.
Até a próxima!
Gosto demais de te ler!