Eu descobri a palavra jiai assistindo um minidoc no Youtube sobre a Ado, uma cantora japonesa que hitou em 2020 com a música “Ussewa”. No vídeo, onde ela relata brevemente sua trajetória, Ado revela que tal sucesso a deixou ao mesmo tempo espantada e contente, mas que nem por isso passou a sentir mais amor próprio (自愛 - jiai).
(Seguindo sugestão da
em outra edição, um áudio da pronúncia da palavra em japonês)Eu me identifiquei demais com a fala da Ado. Não que eu tenha feito um sucesso nessas proporções em algum momento da minha vida, sequer fui muito popular, mas já estive em evidência em menores escalas, e posso atestar que o amor próprio pouco tem a ver com popularidade.
Quando eu era um jovem professor (hoje já não sou nem tão jovem, muito menos professor), tinha certa facilidade em cativar os alunos. Não necessariamente por ter algum dom especial, mas eu era mais como um senpai1 do que um sensei, o que dava aos alunos um senso de proximidade, ao mesmo tempo que eu tinha alguma autoridade.
Também já tive um alcance considerável quando escrevia no Medium, e até no Facebook, quando os textos ainda recebiam alguma atenção na plataforma.
Porém, especialmente como professor, a sensação de ser querido era muito fugaz. Eu me sentia bem quando os alunos demonstravam carinho ou admiração, mas era uma sensação que logo era substituída pela insegurança. E se os alunos descobrissem que eu era uma farsa? Era assim que eu me sentia, na maior parte do tempo.
Na Internet, a época em que eu alcancei mais pessoas foi a mais angustiante da minha vida. Eu passei a sentir a necessidade de postar qualquer coisa para manter o engajamento. Foi o período em que mais me expus desnecessariamente.
Hoje, sinto até uma certa satisfação em ser meio low profile. Posto quando acho que vale a pena. Estaria mentindo se dissesse que não fico de olho nos números, mas já não me sinto tão neurótico com eles. Aqui no Substack, estou satisfeito com meus 119 assinantes.
Eu me gosto mais como coadjuvante
Não estou aqui para te dizer como você deve fazer para encontrar o amor próprio, nem como eu encontrei o meu, se é que encontrei. Tudo que eu posso dizer é que uma certa renúncia ao papel de protagonista me ajudou a gostar um pouco mais de quem eu sou.
Acontece que muitas das referências culturais com que cresci fizeram parecer legal ser protagonista. O Goku, por exemplo. Seria muito bom ser o Goku. Sabia resolver as paradas e sempre tinha apoio para tudo. Derrotava uns alienígenas sinistros, e, quando perdia, estava tudo bem, porque a galera toda montava uma força-tarefa para juntar as esferas do dragão e ressuscitar o cara.
Até mesmo ser o homem-aranha era almejável, ainda que ele passasse uns perrengues e sua história fosse marcada pelo consagrado lema do tio Ben, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.” Pelo menos, sua jornada mostrava que nem tudo é um mar de rosas na vida do protagonista, mas ainda tinha um certo glamour.
Não que a vida de coadjuvante seja necessariamente fácil, também, mas é onde eu tenho me encontrado. É uma posição em que posso contribuir com alguma coisa sem precisar estar sempre em evidência.
No minidoc, Ado também conta a origem de seu nome: quando estava na escola, encontrou as palavras Ado e Shite em um livro didático de japonês, termos que designam os papéis dos atores no teatro kyougen. A princípio, ela escolheu Ado porque soava legal, mas depois ficou sabendo que Ado se referia ao papel de coadjuvante nessa forma de teatro. No final, ela conclui:
Como coadjuvante, eu ficaria feliz se eu pudesse ser um apoio na vida de alguém.
Fale comigo
Fique a vontade em me escrever ou deixar seu comentário sobre qualquer coisa que tenha surgido lendo meu texto.
Apoie
Se fizer sentido, clique no botão abaixo e compartilhe esse texto em suas redes.
Links desta edição
Artist on the Rise: Ado (em japonês com opção de legendas em inglês).
Até a próxima!
Senpai é uma palavra japonesa que significa veterano(a), mas no contexto da cultura pop, costuma ser uma pessoa admirada pelos mais novos, dando origem ao meme “notice me, senpai!”. Sensei significa professor.