“Se eu preciso que alguém me diga que eu sou uma pessoa legal, deve ser porque eu não acho que eu seja.”
-Robina Courtin
Venerável Robina é daquelas professoras que conseguem trazer os ensinamentos budistas para a cultura moderna de forma extremamente hábil. Regularmente, ela posta uma série de reflexões no Instagram chamada “Something to think about”, e as falas dela sempre fazem jus ao título, não só pela relevância, mas porque sempre nos convida a pensar por nós mesmos, ao invés de simplesmente ouvir passivamente o que ela afirma.
Muitas dessas reflexões remetem à constatação feita pelo Buda há 2500 anos atrás: nossa satisfação nunca poderá vir de fora de nós mesmos. Enquanto buscarmos felicidade em um pedaço de bolo, um(a) namorado(a), um emprego, sempre sentiremos que nos falta algo. Tudo bem usufruir dessas coisas, mas é bom você saber que elas não vão satisfazer por muito tempo.
Dentre todas as fontes de engano possíveis, a pior de todas é o elogio, porque é um dos retornos mais insubstanciais que você pode receber. Ainda mais nesse contexto online, em que a pessoa comenta “uau, muito bom! transformou a minha vida!” e no minuto seguinte está entretida com um reels da música Yellow Ledbetter acompanhada da legenda “é como diria Eddie Vedder: onanwheellee onawizzi onawheyea…”. Não estou negando que seja bom elogiar ou ser elogiado, apenas dizendo que o potencial do elogio para produzir felicidade é inegavelmente limitado (na direção oposta, as críticas também não deveriam ser levadas tão a sério quanto costumamos levar, mas isso é papo para outra edição).
Tem ainda as manifestações mais sutis da busca por validação. No vídeo contendo a fala que destaquei no início da edição, Robina dá um exemplo: quando vemos algo incomum, sentimos a necessidade de contar para alguém, a ponto de nos sentirmos sozinhos se não há ninguém por perto.
É legal compartilhar, mas por que (não compartilhar) nos faz tristes?
Porque isso parece implicar que testemunhar essa experiência é insuficiente, alguém mais precisa saber, alguém precisa sorrir para mim e dizer: uau, que interessante!
À primeira vista não parece haver um problema aí, mas todos sabemos o quanto a solidão pode ser desoladora a partir de um certo ponto.
Por outro lado, produzimos muita coisa bonita nesse esforço em compartilhar imagens e experiências. É dele que nasce a fotografia, entre outras formas de arte. Eu gostaria de explorar um pouco esse aspecto, antes de seguir condenando a solidão.

Constatar que a solidão nos mobiliza
Esse mês ouvi a Aline Bei na Biblioteca de São Paulo, em bate-papo com o Manuel da Costa Pinto, contando sobre a criação de suas personagens, e fiquei pensando muito na Júlia, protagonista de “Pequena coreografia do adeus”. Um dos temas que apareceu na conversa foi a relação da Júlia com a mãe, uma relação disfuncional, mas pela qual ela anseia, ainda assim. “Pelo menos a minha mãe precisa de mim, ela nunca me abandonou”, Júlia escreve em seu diário após seu pai declinar, enfaticamente, sua ideia de ir morar na casa dele. “esquece isso, tá? pelo amor de Deus.”
Não posso falar pela Aline, mas a minha impressão é de a solidão, além de um traço marcante de suas personagens, é também um dos motores de sua escrita. Talvez seja o caso para boa parte da criação artística, num geral.
A solidão é um sentimento muito humano, e eu não acho que ela deva ser simplesmente deixada de lado. O que Robina nos convida a olhar é para o fato de que, na tentativa de afastar esse sentimento, nosso movimento é quase sempre de dentro para fora. Buscamos obter coisas ou produzir coisas, e podemos produzir coisas muito bonitas, como eu vinha dizendo. Só que nunca é suficiente. Sempre permanece um nível de inquietação, que nos leva a buscar a próxima coisa (e a próxima, e a próxima).
Qual a alternativa?
Venerável Robina, assim como Buda, afirma categoricamente: podemos moldar nossa mente da forma que quisermos. É uma afirmação ousada, mas acho que vale investigarmos por nós mesmos (algo a se pensar, não é mesmo?).
Não é que exista um truque mágico, como se bastasse dar o comando para que nossa mente vá na direção que gostaríamos que ela fosse.
O trabalho de moldar nossa própria mente é fazer o movimento inverso ao que estamos habituados: temos que nos voltar para dentro. E isso precisa ser treinado, em condições ideais de temperatura e pressão. Quando acabamos de acordar, por exemplo, quando ainda não engatamos em nosso movimento habitual, podemos simplesmente sentar na cama, por alguns minutos, e focar no movimento da nossa respiração. Conforme vamos introduzindo esses espaços no nosso cotidiano, rompendo com nossos padrões de reação, vamos ganhando confiança de que a direção de nossas mentes está em nossas mãos. Por qual outro motivo pararíamos para fazer algo tão entediante?
Na minha parca experiência, sentar-me sozinho, eu comigo mesmo, traz uma sensação de que sou eu quem dirige a minha própria vida. Começo a confiar que não preciso colocar nas costas dos outros a responsabilidade por fazerem eu me sentir bem. Não é dizer que eu não preciso de ninguém, apenas não esperar que os outros façam por mim o que só eu posso fazer por mim mesmo.
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Kotoba indica
Os vídeos da Robina Courtin da série “Something to Think About” estão disponíveis no Youtube, com legendas tanto em inglês quanto em português.
A galera do Coemergência Podcast entrevistou ninguém menos que Tenzin Wangyal Rinpoche, professor da linhagem Bön do Budismo. Rinpoche oferece um ensinamento sobre respiração, ioga do sono e dos sonhos e conselhos práticos para superar o sofrimento ligado às nossas identidades. Você pode assistir a entrevista com legendas pelo Youtube, ou ouvir em inglês pelo Spotify.
Aline Bei foi entrevistada por Larissa Lima, escritora e psicanalista, no podcast Isso te diz alguma coisa. Gosto de uma parte em que ela fala do papel do caos na criação: “Dentro do meu processo, eu não sou uma autora tão organizada. Eu confio no caos porque eu acho que a arte vai organizar esse caos em algum momento, mas se eu antecipar a organização, talvez eu queime uma etapa importante, que é essa etapa do caos, deixar essas cores e essas fúrias serem”.
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